A gestão de uma carteira de
investimentos é uma missão desafiante. Para o iniciado ou mesmo para uma boa
parte dos veteranos experimentados, a dificuldade começa exactamente pela
ilusão de facilidade. De facto, aparentemente é cada vez mais fácil investir.
Bastam poucos milhares de euros, um PC, um acesso online e, por último, uma boa
dose de presunção decorrente da ideia feita: “o mercado é feito para ganhar
dinheiro, isto é, para eu ganhar dinheiro”.
Gerir a nossa carteira de
investimentos é um negócio com poucas barreiras à entrada, tendência que se
acentuou bastante nos últimos dez anos. Os potenciais investidores passaram a
aceder desde casa, do café ou do escritório, aos acontecimentos nos vários
mercados e às notícias que influenciam o seu portfolio. À distância de um
clique, os “Pequenos Soros e Buffetts” compram ienes, ouro ou petróleo, colocam
e cancelam ordens, num frenesim de trading global e democrático.
A diversão que isto provoca não é
indiferente ao comum dos mortais. É avassalador o efeito positivo sobre o ego
de um ser humano, potencial investidor, provocado pelo poder de aceder aos
mercados globais e tomar decisões…ao segundo. É avassalador o poder que alguma
sorte (sim, existe sorte e azar) provoca na mente desses potenciais
investidores que, depois de meia dúzia de negócios bem sucedidos, sentem-se
capazes de tudo e acima de qualquer coisa.
Com o tempo virá a inexorável
purga. Nessa altura, o investidor sério terá inevitavelmente que investigar
muito bem os seus objectivos de longo prazo (fazer crescer as poupanças ou
divertir-se?) e as suas competências (que mercados conhece? o que aprendeu com
a experiência? que background técnico tem? conhece os instrumentos financeiros
disponíveis e o seu potencial e risco? Fez o trabalho de casa? Tem algum plano?
Que tempo tem para esta actividade? Que meios dispõe? Que custos tem?).
O investidor sério não se engana
a si próprio. Procura incessantemente potenciar os seus pontos fortes. Com o
tempo, a diversão deixa de ser o objectivo subliminar, mas sim a consequência
colateral de um processo de investimento com a marca do sucesso. Com o tempo,
nenhum investidor terá possibilidade de ser bem sucedido sem o conhecimento
profundo dos mercados em que actua, sem disciplina, sem capacidade de adaptação
às mudanças e sem uma filosofia de actuação adequada à sua personalidade e
objectivos de investimento.
Para poucos o processo demora
meses, para alguns mais demorará anos, mas para a maioria dos investidores esse
processo de investigação nunca chega, nunca é feito. Esses seguirão os métodos e
a filosofia de sempre. Obterão, como é óbvio, os resultados de sempre.
Para quem está disposto à ruptura,
o primeiro sinal virá inevitavelmente com o choque da realidade: a primeira
perda, a primeira grande perda. O impacto da primeira grande perda é
profilático, quase milagroso. Por isso só alguns a sentem na sua verdadeira
dimensão. A sua verdadeira dimensão começa por ser avassaladora sobre o ego outrora
inchado, mas após alguma limpeza interior, o investidor sério que emerge estará
sem dúvida mais preparado. Pelo menos percebeu que o mercado não existe só para
ganhar dinheiro, mas também para lhe tirar dinheiro. E mais: se for
suficientemente sério consigo próprio, concluirá que se continuar a actuar como
sempre, o mercado acabará por lhe tirar mais e mais dinheiro até ao limite da
sua capacidade financeira e mental.
Após o primeiro choque ou, se for
preciso, vários pequenos choques distribuídos no tempo, o investidor sério
consigo mesmo perceberá finalmente quão difícil o mercado é e passa à fase
seguinte. Nessa altura a frase “o mercado é feito para ganhar dinheiro” deixa
de fazer sentido. A verdade é que o mercado existe para transferir dinheiro e fá-lo
enviando cheques dos perdedores para os ganhadores.
Portanto, fiquemos esclarecidos
para que serve o mercado. É uma máquina de eliminação dos perdedores, premiando
os ganhadores. A sua função económica é facilitar os negócios e encontrar rapidamente
contrapartes na alocação dos recursos. Não serve, caro investidor, para nos
entregar um cheque de mão beijada.
Para sair vencedor tem de definir os seus
objectivos e trabalhar nas suas competências. Contra si terá o poder de um
conjunto de ideias feitas, vícios e mitos. Contra si terá a aparente facilidade
que o acesso global permite. Contra si terá o barulho gerado pela sorte efémera
de alguns mas, acima de tudo, contra si terá a sua natureza humana. Se perceber
tudo isto (e rápido), tem fortes probabilidades de sobreviver e algumas
probabilidades de se tornar um investidor excepcional.
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