terça-feira, 3 de abril de 2012

Gastão e Donald

Nota prévia: Esta história é fictícia, embora pontilhada com notas que remetem para a realidade.

Gastão recebeu uma doação do seu tio. Como se tratava de muito dinheiro, Gastão começou a pensar em rentabilizá-lo. Gastão pouco sabia de investimentos, mas tinha um “plano”: O primo de um amigo era um “especialista” e o próprio Gastão fez (dizia ele) o “trabalho de casa”. Todos os dias lia o “jornal económico”, especialmente a secção de rumores, previsões dos especialistas e preços alvo das empresas cotadas (com destaque para os “price targets da Silvergirl Sachs”). Para Gastão era suficiente. Os gráficos mostravam que o índice de NASCRASH estava no fundo (“nos mínimos históricos”). De facto, Gastão tinha investigado e verificado que o índice estava a cair 20% esse ano, 5% esse mês e estava nos mínimos dos últimos 10 anos. O “especialista” repetia “comprar baixo e vender alto”. Após esta sequência de conclusões brilhantes de parte a parte, Gastão comprou acções….

Nota: Ao contrário do que é mitificado, comprar só porque caiu muito não é uma atitude apenas acessível a alguns iluminados, mas representa, a maioria das vezes, apenas e só a vontade de ter razão. De facto, comprar baixo apenas por essa razão é apenas comprar melhor do que milhares que compraram antes. Por sua vez, comprar depois de uma subida significativa é comprar pior do que milhares de investidores que compraram antes, o que é claramente mais difícil de encaixar psicologicamente.
Ao longo do ano seguinte Gastão divertiu-se imenso com os mercados. Como “investidor avisado” tomou conhecimento de que os mercados não sobem sempre e por isso mesmo Gastão ia vendendo títulos que já estavam nos máximos para comprar aqueles que ainda não tinham subido. Por vezes, os títulos vendidos subiam muito mais, mas Gastão não desesperava. “Nunca ninguém faliu a realizar mais-valias e menos valias só o são efectivamente quando são realizadas” – pensava Gastão ao que o especialista assentia.
No final desse ano, Gastão estava a ganhar 50%. Por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher. Neste caso: a Noiva. “Gastão, vamos casar. Precisamos desse dinheiro para a casa. Vamos aproveitar a sorte”.
Gastão pensou: “Sorte!!!….Ela não sabe do meu segredo. Isto foi mérito e muito trabalho”.
Mas como a noiva de Gastão era muito convincente, ele anuiu. Todo o legado do tio foi investido na boda, na casa, nas obras e ainda sobrou para uma conta rendimento para acautelar a reforma. Contudo, Gastão estava desgostoso. Tinham-lhe tirado o brinquedo.
Passados 4 anos, Gastão encontrou o seu primo Donald que havia recebido o mesmo legado do Tio. Donald não tinha feito nenhum investimento de vulto e mantinha a mesma vida frugal de sempre. Gastão viu ali a sua oportunidade. Com a sua “experiência e conhecimentos”, Donald ganharia fortunas nos mercados financeiros.
Vê Donald, em apenas um ano ganhei 50%, comprei em baixa e vendi mesmo perto do topo. Agora o índice NASCRASH está ainda mais barato do que estava quando investi inicialmente (Gastão esquecera-se de dizer porque razão tinha vendido). ”Isto são factos Donald” - sentenciou.
Donald nem se atreveu a sugerir que poderia ter sido …Sorte.
A conselho de Gastão, Donald investiu nos mínimos do índice NASCRASH. Nas semanas que se seguiram à primeira compra, Donald via o valor de mercado do seu investimento cair brutalmente. “Boas notícias” disse Gastão. “O mercado está mais barato do que nunca”. Não era um eufemismo. Gastão estava convicto do que estava a dizer. E já se sabe, “o mercado é para os convictos”.
Nota: Sem dúvida que é preciso uma boa dose de convicção para vencer nos mercados. Muitos confundem convicção e coerência no método, com convicção numa posição num determinado título ou activo. Esses investidores são capazes de todas as construções e desconstruções para provar ao mundo que têm razão em deter aquela acção ou posição. Há um exemplo clássico: depois de uma queda, muitos gostam de comprar só porque caiu. Rebuscadamente autojustificam-se com os fundamentos (“esta acção está barata”). Mais tarde, se o trade correr bem, apressam-se a vender encaixando um ganho e proclamando: “comprei perto dos mínimos e já fiz a mais-valia”. Para trás deixam a justificação fundamental que deixou de servir. Por sua vez, se o título continuar a cair, a justificação fundamental ancora-o e autojustifica-o. Para além disso, ninguém o acusará de tonto por ter comprado perto dos mínimos. No longo prazo, onde a sorte conta pouco, este tipo de lógica só tem um único resultado possível: perder dinheiro

Donald nem se atreveu a contestar o primo especialista quando este lhe sugeriu reforçar a posição com um palavrão: “alavancagem”. Na verdade a única coisa que Gastão sabia sobre alavancagem era que se tratava de uma forma de ganhar mais dinheiro com o mesmo capital. Donald reforçou a sua posição, com alavancagem, e esperou que o mercado desse razão ao seu querido primo…

Mas não deu! Com o mercado a deteriorar-se cada vez mais, Donald começou a ter pensamentos mórbidos. O seu primo era o principal personagem dos seus sonhos que já envolviam facas e outros instrumentos de tortura. No momento em que perdeu a vergonha e se decidiu a “partir a loiça” enquanto restava alguma, o primo Gastão retorquiu: “Agora, nos mínimos? És louco? Não percebes nada disto. Nem pensar…”
“Mas o dinheiro é meu” – balbuciou Donald
Gastão não ouviu. “Sabes, vamos fazer como os especialistas. Vamos reduzir a exposição quando o índice NASCRASH corrigir em alta 10%.”
Donald duvidou, mas não contrariou. Ao fim e ao cabo uma recuperação de 10% em posições alavancadas (sim, ele já tinha descoberto o que era isso) já permitiria uma minimização dos estragos.Mas o mercado estava implacável e não corrigiu, em vez disso “foi directo para sul”. Após mais um revés, os primos almoçaram para fazer um ponto da situação.
“Irracional, está tudo louco” – rosnava Gastão.
Face ao silêncio ensurdecedor de Donald, Gastão, visivelmente humilhado com as quedas sucessivas do índice, enfim disse:
“Isto não é mercado, eles manipulam tudo (os tipos da Silvergirl sachs), assim não é justo…vamos sair desta selva…já”
Nota: quando o mercado nos derrota, é sempre mais fácil, para quem não sabe nem quer pensar como vencer no final, deitar a culpa a outros. Por exemplo: A FED, os hedge funds…a Goldman Sachs e demais vilões.
Donald, numa réstia de presença de espírito, retorquiu:
“Primo, mais tarde dizes-me quem são os “eles”, mas é bonito ouvir-te falar na primeira pessoa do plural quando dizes “vamos”… (pausa e olhar fulminante). Deixa-me dizer-te o seguinte: até agora segui à risca os conselhos de um egocêntrico que não percebeu que teve sorte há uns anos e que não tratou de perceber o que se estava a passar e onde se estava a meter. Mas sabes, querido primo, desta vez “VAMOS” fazer de outra maneira. Parti para esta odisseia com muito dinheiro e pouco conhecimento. Hoje tenho menos dinheiro, mas o suficiente para me manter vivo nos mercados. Quanto ao conhecimento, de facto aprendi que o mercado é um local fértil em oportunidades, mas não pelas razões que tu pensas ou que te disseram os teus amigos. Um local tão incerto e complexo e onde tantos não têm essa noção, é com certeza objecto de estudo prático. Passo a Passo é isso que vou fazer.




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