segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Ctrl+P




“Pensamento duplo indica a capacidade de ter na mente, ao mesmo tempo, duas opiniões contraditórias e aceitar ambas.” - Oscar Wilde

A impressão monetária pelos Bancos centrais pode criar a ilusão que faz parte da solução para a crise da dívida soberana porque em parte mitiga alguns dos seus efeitos nefastos imediatos, mas não passa de um paliativo de curto prazo que não resolve, mas sim agrava, a situação de excesso de endividamento da economia mundial. 
No mês de Janeiro a reserva federal americana sinalizou taxas de juro baixas até ao final de 2014 o que representou um dilação de cerca de 18 meses face à promessa anterior. O mercado interpretou estes sinais da FED como o prelúdio de um novo programa de estímulos quantitativos - o QE3. Na nossa opinião esse programa será anunciado no 1º trimestre ou, o mais tardar, no 2º trimestre de 2012 e visará esmagar ainda mais a curva de rendimentos americana, com implicações importantes ao nível da alocação de activos, conforme veremos mais à frente.
O BCE está na iminência de aumentar as linhas do Long Term Refinancing Operations (o QE europeu por debaixo da mesa). Ao contrário do que dizem as fontes oficiais, o BCE já está a criar dinheiro do nada e vai criar ainda mais. Em Dezembro de 2011, o LTRO significou o empréstimo de quase 500 biliões de euros, a 3 anos, à taxa de cedência do BCE a qual está, como sabemos, muito perto do zero. Donde veio este cheque aos bancos? Do nada. Para onde vai? Em parte vai suprir as necessidades de liquidez dos bancos, outra parte será para comprar dívida soberana e a parte sobrante (se sobrar) para financiar a economia privada.  
O dinheiro do LTRO não vai chegar. Ainda este trimestre o BCE deverá aumentar as linhas de crédito e ...”faites vos jeux”: pelo menos 1 trilião será dinheiro criado do nada e já há quem diga…o melhor são 10 triliões para arrumar a questão.
Juntamente com o Banco do Japão, os principais bancos centrais ocidentais continuam a imprimir dinheiro para directa ou indirectamente se comprar dívida (pública e privada), insuflando esta enorme bolha. Na nossa opinião é improvável que o efeito riqueza (via confiança) que pretendem criar se sinta ao nível das camadas médias e baixas da população (o grosso dos consumidores), mais afectadas pela diminuição do seu património imobiliário líquido (em muitos casos negativo), por mais impostos e inflação. Isto remete para uma das questões actualmente mais discutidas por políticos, economistas e público em geral:
Imprimir dinheiro é parte da solução?
A resposta a esta questão tem de ser contextualizada historicamente. O dinheiro em si não representa mais riqueza. Isso só acontece se mais dinheiro a circular significar mais poder aquisitivo de bens e serviços. Portanto, as questões são:
1º questão: A pura criação de mais dinheiro do nada vai contribuir para mais riqueza real?
Numa situação profundamente depressiva em que o sector privado está armadilhado pela dívida excessiva e pela sobrecapacidade produtiva, um Estado com as contas equilibradas e, também por isso, com grande capacidade de financiamento, pode dar o grande empurrão inicial através de escolhas criteriosas, em conjugação com a expansão da massa monetária, liderada pelo banco central e generalizada pela banca comercial. Isto é uma das premissas de Keynes que inspiraram, por exemplo, o New Deal de Roosevelt. Numa linha complementar, o monetarismo de Milton Friedman defende que para evitar a destruição de riqueza, o banco central deverá emitir moeda, contrariando dessa forma o ciclo depressivo da contracção do crédito. Ben Bernanke, que estudou a fundo os anos da grande recessão, criticou a acção da FED da altura que, perante a falência dos bancos, fez, na perspectiva de Bernanke, exactamente o oposto do que deveria ser feito. A FED devia ter emitido moeda e fez o contrário. Isto define bem o consenso neoclássico que domina a teoria económica desde há décadas.

Ao grande consenso gerado pelo sucesso do Keynesianismo do pós-guerra até ao final dos anos 60, seguiu-se uma crise nos anos 70, e uma síntese (a síntese neoclássica que abarcou os contributos do Monetarismo e do Keynesianismo) que dominou a época da “grande moderação” entre os anos 80 e 2007, caracterizada pela congregação de mercados mais livres, globais e desregulados com a intervenção activa da política económica.
Em 2007/2008 morreu a “grande moderação”, mas as fórmulas neoclássicas mantiveram-se e com elas o ilusionismo.
Nota: em bom rigor a síntese neoclássica abarcou, entre outros, alguns contributos do Marginalismo que desenbocaram na microeconomia e os contributos do Keynesianismo na macroeconomia. O monetarismo foi em parte uma reacção ao declínio do Keynesianismo, contestando os estímulos orçamentais e privilegiando a política monetária activa. Em termos práticos, neo-keynesianos ou monetaristas lideraram os destinos da política económica nas últimas décadas. Para efeitos deste artigo, eles são o rosto do "mainstream" que domina a teoria económica, com nuances pouco significativas em termos práticos. Eles são os motores da impressora. 
Na minha opinião hoje em dia é perceptível que a pura impressão monetária tem menos condições para vingar, desde já por duas razões:
- Porque o mundo está super-endividado (sector público e sector privado)
- Porque pagar dívida com mais dívida pressupõe capacidade para a pagar no futuro e tendo em conta as exigências crescentes do Estado social, entre outras razões devido à evolução da pirâmide populacional, essa equação é impossível de executar se não for feita “qualquer coisa”. 
Por outras palavras, a teoria económica neoclássica ou é uma fraude, ou pelo menos aplica-se o eufemismo: “aquém da realidade”.
2ª questão: a criação de dinheiro do nada proteger-nos-á de uma destruição massiva de riqueza?
No contexto actual é muito improvável que assim seja. A criação de dinheiro apenas vai permitir tornar a economia ainda mais complexa, ajudar os bancos a capitalizarem-se, mas sem impacto visível nas empresas e famílias. Será apenas um adiamento e uma factura a pagar pelas gerações futuras. Será, isso sim, um cheque passado à economia financeira.

A impressão monetária criará uma ilusão de riqueza, poderá adiar uma crise de proporções gigantescas, mas não resolve os problemas económicos nem os desequilíbrios. Pelo contrário, agrava-os. O tremendo oximoro é este: quem beneficiará mais da impressão monetária são os mais ricos que aproveitarão esta distorção das autoridades políticas e monetárias para especularem com dinheiro barato. Estão criadas condições para mais bolhas especulativas.

Consequências nos mercados
Nos próximos “posts” explorarei as consequências do Ctrl+Print nos mercados. Os activos reais (pex: commodities e acções) serão aqueles que mais beneficiarão duma impressão monetária neoclássica. O contexto favorece um bull market nas acções e a continuação de um bull market nas commodities.
A alternativa infernal que não posso colocar de parte é um mega calote não da Grécia, não de Portugal, mas de países da dimensão de Itália, Japão ou EUA. Esse choque seria um terramoto monumental, a mãe de todos os “bear markets”.

Os dois vídeos abaixo são muito instrutivos sobre a questão da dívida e por isso recomendo o seu visionamento.

Se pretender comentar este post, agradeço que envie um e-mail para alexandre.mota@goldenbroker.com

Porque a crise europeia vai acabar mal

A crise da dívida explicada em 35 minutos

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