segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Alavancagem

Em finanças, o efeito de alavanca (ou alavancagem) implica o recurso a capitais alheios para aumentar a rentabilidade dos capitais próprios. Os capitais alheios podem ser disponibilizados através de empréstimos ou através de facilidades de transação, geralmente em regime de conta margem. Neste último caso, o investidor pode aplicar um montante superior aos capitais próprios, mas há um mecanismo de garantia (o mecanismo de margens) que visa equilibrar a proporção entre capitais próprios e alheios.

Por exemplo (o caso do empréstimo): Um investidor compra 100.000 euros em ações, das quais 50% resultam do recurso a capitais próprios. Se as ações subirem 20%, a rentabilidade é de 20.000 euros, a que terá de deduzir os juros do empréstimo - assumamos 2.000 euros. Portanto, temos 18.000 euros de rentabilidade com um esforço de capital de 50.000 – 36% de rentabilidade. Se tivesse aplicado tudo com recurso a capitais próprios, ganharia 20.000 euros com um esforço de 100.000 – 20% de rentabilidade. Os capitais alheios potenciaram o efeito de alavanca. Um melhor resultado por unidade monetária de esforço próprio.

Por exemplo (o caso da conta margem): Um investidor compra 100.000 euros em cfd`s de ações, recorrendo a um depósito de 50.000 euros na sua conta. Se as ações subirem 20%, a rentabilidade é de 20.000 euros, a que terá deduzir os juros do empréstimo cfd`s - assumamos 2.000 euros. Portanto, temos 18.000 euros de rentabilidade com um esforço de capital de 50.000 – 36% de rentabilidade. Se tivesse aplicado tudo com recurso a capitais próprios, ganharia 20.000 euros com um esforço de 100.000 – 20% de rentabilidade. O uso dos cfd`s potenciou o efeito de alavanca. Um melhor resultado por unidade monetária de esforço próprio.

Notou alguma diferença? Se não notou, é natural, pois não há diferenças de monta. Há diferenças técnicas de outra natureza, por exemplo, riscos de contraparte diferentes, mas, no essencial, a matemática da dívida (explícita ou implícita) está presente em ambos os casos.


Erros de utilização

Como se pode verificar pelos exemplos acima, a alavancagem é um instrumento de rentabilização atrativo. Todavia, a utilização incorreta da alavancagem é uma das principais causas para o insucesso na gestão de carteiras. Os erros mais importantes são:


- Alavancar sem fazer algumas contas simples;

Muitos investidores controlam o risco pela percentagem de margem utilizada, ou seja, pelo crédito não utlizado, mas ainda disponível (“margin utilization” ou “utilização de margem”). O que devem fazer antes disso é recorrer aos velhos “Tês” da contabilidade: Ativos, Passivos e Capitais Próprios. Os Ativos são o valor de mercado do cash disponível e das posições abertas (é uma rubrica sensível às oscilações das posições abertas no mercado); os Capitais Próprios são os depósitos e levantamentos efetuados, os ganhos e perdas realizadas e os ganhos e perdas não realizadas (é uma rubrica sensível à atividade de trading e ao valor de mercado do ativo – quando o ativo desce, os capitais próprios descem na mesma dimensão; o Passivo é o valor que completa a igualdade: Passivo = Ativo – Capitais Próprios. No exemplo acima, se o Ativo, que valia inicialmente 100.000, passar a valer zero, e os capitais próprios, que valiam 50.000, passarem a valer -50.000 (devido às perdas de 100.000 no ativo), então, o investidor fica em falência técnica (capital negativo, isto é, o valor do ativo não serve para pagar a dívida de 50.000 euros).

O indicador mais importante é o “exposure coverage” ou “exposição coberta”. No exemplo acima, a exposição coberta é de 50%, o que quer dizer que metade da exposição está coberta com fundos próprios. Nunca deixe derrapar a exposição coberta, isto é, o rácio dos capitais próprios sobre o Ativo total.

Nunca!

Reduza as posições de forma a manter um nível adequado de cobertura por fundos próprios. Por exemplo, uma exposição coberta inferior a 50% em cfd`s de ações é uma vulnerabilidade, especialmente se for conjugada com outro erro comum…


Menosprezar eventos raros;

Falências; OPA; resultados; profit warnings, reuniões do G7 no fim de semana, etc.

Por exemplo, o BES fez este ano um aumento de capital com sucesso, com prospeto aprovado e grande procura no retalho e em institucionais. Pouco tempo depois deu-se o terramoto. Estes eventos “inesperados” são muito mais frequentes do que se pensa.

Portanto, Não deixe que o excesso de dívida, por via direta ou indireta, o coloque num beco sem saída!

Mais uma vez: reduza as posições para manter uma exposição coberta alta e estável.

E sobretudo não caia no erro seguinte…


Deixar correr as perdas e encaixar rapidamente os ganhos

É um erro de principiante. Decorre de uma enorme aversão emocional à perda realizada. Embora, no exato momento da venda, seja exatamente a mesma coisa vender uma posição a perder, transformando-a em cash, ou mantê-la, a dor causada por uma perda realizada é emocionalmente maior. Por estranho que possa parecer, há quem argumente que quem vendeu a perder (pex, a 10 euros) está pior do que alguém que manteve a posição, embora o título tenha descido mais entretanto (para 9 euros, pex). É obviamente uma heurística muito prejudicial ao investidor (“é psicológico” – como bem assumem alguns). Essa irracionalidade torna o investidor muito lento a assumir os prejuízos (alguns até dizem “só vendo a ganhar”) e muito célere na tomada de mais-valias.


Conclusão

A utilização cega da alavancagem pode resultar em fortes perdas, eventualmente perdas irrecuperáveis. A pior combinação possível é alavancar (mesmo que ligeiramente) e não aceitar realizar menos valias em determinados negócios. O cocktail verdadeiramente explosivo é ainda mais requintado: 1) comprar só porque caiu muito sem indagar porquê; 2) alavancar, se possível fortemente, e 3) quanto à saída: se a aposta correr bem, sair rápido porque “nunca ninguém faliu a realizar mais-valias”; ou se a aposta correr mal deixar andar porque, ao fim e ao cabo, era uma aposta “…de longo prazo” ou se “antes estava baixo, mais baixo está”.

2 REGRAS SIMPLES SOBRE ALAVANCAGEM e um conselho

1)       Não alavanque se não tiver decidido previamente o que fazer num cenário adverso, ou seja, se não tiver interiorizado que perante determinadas circunstâncias tem de sair a perder.

2)       Vigie e ajuste a sua exposição coberta (pelo menos para reduzir risco) evitando proactivamente as chamadas na margem, ou seja, a situação em que a exposição coberta é tão baixa (os capitais próprios tão baixos) que quem lhe emprestou dinheiro vai ter de executar as garantias.

3)       Se não concorda com as regras acima, não use alavancagem.

Bons Investimentos!

Alexandre Mota

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Para que serve o mercado, afinal? (uma visão do lado da gestão de carteiras)

A gestão de uma carteira de investimentos é uma missão desafiante. Para o iniciado ou mesmo para uma boa parte dos veteranos experimentados, a dificuldade começa exatamente na ilusão de facilidade. De facto, aparentemente é cada vez mais fácil investir. Bastam poucos milhares de euros, um PC, ...um acesso online e, por último, uma boa dose de presunção decorrente da ideia feita: “o mercado é feito para ganhar dinheiro, isto é, para eu ganhar dinheiro”. 
Gerir a nossa carteira de investimentos é um negócio com poucas barreiras à entrada, tendência que se acentuou bastante nos últimos dez anos. Os potenciais investidores passaram a aceder desde casa, do café ou do escritório aos acontecimentos nos vários mercados e às notícias que influenciam o seu portfolio. À distância de um clique, os “Pequenos Soros e Buffetts” compram ienes, ouro ou petróleo, colocam e cancelam ordens, num frenesim de trading global e democrático. 
A diversão que isto provoca não é indiferente ao comum dos mortais. É avassalador o efeito positivo sobre o ego de um ser humano, potencial investidor, provocado pelo poder de aceder aos mercados globais e tomar decisões…ao segundo. É avassalador o poder que alguma sorte (sim, existe sorte e azar) provoca na mente desses potenciais investidores, que, depois de meia dúzia de negócios bem sucedidos, sentem-se capazes de tudo e acima de qualquer coisa.
Com o tempo virá a inexorável purga. Nessa altura, o investidor sério terá inevitavelmente que investigar muito bem os seus objetivos de longo prazo (fazer crescer as poupanças ou divertir-se?) e as suas competências (que mercados conhece? o que aprendeu com a experiência? que background técnico tem? conhece os instrumentos financeiros disponíveis e o seu potencial e risco? Fez o trabalho de casa? Tem algum plano? Que tempo tem para esta atividade? Que meios dispõe? Que custos tem?).
O investidor sério não se engana a si próprio. Procura incessantemente potenciar os seus pontos fortes. Com o tempo, a diversão deixa de ser o objetivo subliminar, mas sim a consequência colateral de um processo de investimento com a marca do sucesso. Com o tempo, nenhum investidor terá possibilidade de ser bem sucedido sem o conhecimento profundo dos mercados em que atua, sem disciplina, sem capacidade de adaptação às mudanças e sem uma filosofia de atuação adequada à sua personalidade e objetivos de investimento. 
Para poucos o processo demora meses, para alguns mais demorará anos, mas para a maioria dos investidores esse processo de investigação nunca chega, nunca é feito. Esses seguirão os métodos e a filosofia de sempre. Obterão, como é óbvio, os resultados de sempre.
Para quem está disposto à rutura, o primeiro sinal virá inevitavelmente com o choque da realidade: a primeira perda, a primeira grande perda. O impacto da primeira grande perda é profilático, quase milagroso. Por isso só alguns a sentem na sua verdadeira dimensão. A sua verdadeira dimensão começa por ser avassaladora sobre o ego outrora inchado, mas, após alguma limpeza interior, o investidor sério que emerge estará sem dúvida mais preparado. Pelo menos percebeu que o mercado não existe só para ganhar dinheiro, mas também para lhe tirar dinheiro. E mais: se for suficientemente sério consigo próprio, concluirá que se continuar a atuar como sempre, o mercado acabará por lhe tirar mais e mais dinheiro até ao limite da sua capacidade financeira e mental. 
Após o primeiro choque ou, se for preciso, vários pequenos choques distribuídos no tempo, o investidor sério consigo mesmo perceberá finalmente quão difícil o mercado é, e passa à fase seguinte. Nessa altura, a frase “o mercado é feito para ganhar dinheiro” deixa de fazer sentido. A verdade é que o mercado existe para transferir dinheiro, e fá-lo enviando cheques dos perdedores para os ganhadores. 
Portanto, fiquemos esclarecidos para que serve o mercado. 
É uma máquina de eliminação dos perdedores, premiando os ganhadores. A sua função económica é facilitar os negócios e encontrar rapidamente contrapartes na alocação dos recursos. Não serve, caro investidor, para nos entregar um cheque de mão beijada. Para sair vencedor tem de definir os seus objetivos e trabalhar nas suas competências. Contra si terá o poder de um conjunto de ideias feitas, vícios e mitos. Contra si terá a aparente facilidade que o acesso global permite. Contra si terá o barulho gerado pela sorte efémera de alguns, mas, acima de tudo, contra si terá a sua natureza humana. Se perceber tudo isto (e rápido), tem fortes probabilidades de sobreviver e algumas probabilidades de se tornar um investidor excecional.
Bons Investimentos

sexta-feira, 27 de junho de 2014

A Dissonância Cognitiva nos Investimentos

Todas as pessoas têm crenças pessoais que compõem aquilo que somos como pessoa. Quer estas crenças tenham sido estabelecidas por experiências de vida, incorporadas na nossa psicologia desde o nascimento, elas moldam a forma como vemos o mundo.

Estas crenças centrais também podem levar a um viés extremo que seja difícil de quebrar. 

Muitas pessoas pegam-se a uma ideia ou a um potencial resultado final ao ponto de ignorarem qualquer evidência ou dado que lhes aparece à frente que contrarie as suas noções pré estabelecidas. 
Muitos investidores, como outro qualquer grupo, caem no erro das expetativas incorporadas. 

Muitas vezes existe uma crença muito forte numa ideia. Quando é apresentada uma nova vidência contra a crença estabelecida, esta evidência não é aceite. Aceitar a evidência cria um sentimento desconfortável designado por dissonância cognitiva. E torna-se tão importante proteger a crença inicial, que o investidor vai racionalizar, ignorar e mesmo negar qualquer coisa que não encaixa na sua crença. 

Muitos investidores estão tão apegados a um resultado esperado no mercado que são incapazes de ver outro resultado que possa acontecer. Racionalizaram o seu timing político, macroeconómico num estado de convicção tal que julgam ser inquebrável.

Estes estados levam muitas vezes a tomar posições contraditórias no mercado acionista, commodities, com a expetativa de que “o mercado está a fazer um topo” ou “o mercado está prestes a inverter”. 
Outro resultado da dissonância cognitiva é a paralisia pela análise. Muitas opiniões contraditórias criam indecisão, que leva à inação. Estar em liquidez por um período longo de tempo não permite alcançar os objetivos de investimento e vai criar ainda mais ansiedade se a tendência continuar a favorecer a criação de riqueza. No final do dia, quem decide tudo é o preço. 

O preço é a única coisa que interessa. 

Podemos deitar fora as opiniões, notícias importantes, confiança, sentimento, avaliações, relações económicas, ou qualquer outro indicador que diga que o mercado está num determinado sentido. O mercado não quer saber para onde eu ou qualquer outra pessoa acha que o mercado deve ir, e muitas vezes reage de forma completamente imprevisível. É por isso que temos de estar preparados para qualquer resultado final para se ser um investidor de sucesso.

Toda a gente, em determinados momentos do tempo errou nos esforços de ser bem-sucedido. Eu próprio admito que sou muito cauteloso quando o mercado está a subir e não sou suficientemente agressivo quando me são apresentadas oportunidades de compra quando o mercado faz ligeiras correções. É nessas oportunidades que nos interrogamos “ e se…”, fazendo vários cenários. Não há que ter vergonha de estar errado; apenas existe vergonha em estar errado quando todas as evidências apontam para o contrário do nosso posicionamento. 

Apresento abaixo algumas dicas para ultrapassar a dissonância cognitiva na sua carteira de investimentos:

1) Não se apaixone por nenhum investimento: não fique enamorado por qualquer ação ou outro ativo que veja que caiu o suficiente para se encontrar em ponto de compra ou manter em portfólio. Tente ser o mais objetivo possível quando olha para as suas posições para determinar se ainda merecem estar na sua carteira de investimentos.

2) Pare de tentar adivinhar máximos: todas as semanas vemos um novo analista e perito em mercados a dizer que o mercado acionista não pode subir mais e para as pessoas se prepararem para o “fim do mundo”. Sabe porquê? O medo vende! No entanto, o medo raramente lhe dá dinheiro a ganhar.

3) Crie uma Lista de Observação: tenha uma lista de títulos que considera adequados para a sua carteira de investimento a compare-os com as posições que detém em portfólio. Atualize as ideias numa base regular para se certificar de que está a captar novas oportunidades e a definir pontos de preços, onde irá implementar essas ideias. Recentemente comprei Prata para os meus clientes porque foi um título que estava na minha lista de observação que eu monitorava ativamente e a cumprir as metas de preço.

4) Faça uma gestão do risco com Stop-Loss: ao investir existem sempre quatro resultados: um grande ganho, um pequeno ganho, uma pequena perda e uma grande perda. Os três primeiros resultados são aceitáveis. No entanto, pode sempre evitar uma grande perda que possa fazer uma mossa grande na sua carteira de investimentos. Eu recomendo sempre definir um stop-loss para que seja sempre possível definir o risco, e delinear uma estratégia de saída da posição.

5) Mantenha o portfólio equilibrado: embora nem sempre possa ser possível ver os dois lados do mercado devido à dissonância cognitiva, deve sempre manter uma atitude equilibrada na construção do portfólio. Confiança e disciplina podem ser usados de forma efetiva para implementar novas ideias de investimento. No entanto, um excesso de ganância, medo ou convicção pode abalar de forma significativa a sua carteira. Embora não exista uma fórmula perfeita para estar no mercado, existem sempre passos disciplinados que pode fazer para melhorar o seu resultado.


Bons Investimentos!

João Carlos Pinto
Trader na Golden Broker

terça-feira, 3 de junho de 2014

Bons negócios, maus negócios.



Jack Schwager é conhecido pela publicação das suas entrevistas a traders e investidores de sucesso: “The market wizards”. No seu último “Hedge fund market wizards”, ele repete a fórmula e faz um resumo em jeito de lições sobre o mercado.

Uma das lições mais polémicas é: “Não confundir o conceito de negócio ganhador com o conceito de bom negócio.”

Numa primeira leitura esta lição parece absurda. De facto, ganhar é sempre bom e perder é sempre mau. Não será assim? Não. Claramente, não.

Vejamos a explicação de Schwager, que subscrevo na íntegra:

Um bom negócio pode perder dinheiro e um mau negócio pode ganhar dinheiro. Até os melhores processos de investimento perdem dinheiro durante uma certa percentagem de tempo. Não há forma de saber aprioristicamente qual o negócio específico que ganhará dinheiro. Desde que o negócio decorra de um processo com uma vantagem probabilística, o negócio é bom, ganhe ou perca, porque se forem feitos negócios similares múltiplas vezes, o processo resultará num lucro ao longo do tempo. Já um negócio iniciado sem processo, ou como mero jogo de casino, é sempre mau, ganhe ou perca, porque ao longo do tempo o processo é intrinsecamente perdedor.”

Mark Douglas, autor do bestseller – trading in the zone - sobre a psicologia dos investimentos, escreve no seu livro:

Para eliminar o risco emocional do trading é preciso neutralizar as expectativas quanto ao comportamento do mercado num dado momento ou situação….temos de estar dispostos a pensar a partir da perspetiva do mercado…que comunica connosco com base em probabilidades….Para pensar em termos de probabilidades, temos de criar uma atitude mental coerente com os princípios fundamentais desse ambiente. 

Essa atitude consiste em 5 verdades fundamentais:

1) Tudo pode acontecer

2) Para ganharmos dinheiro consistente não precisamos de saber o que vai acontecer a seguir;

3) Há uma distribuição aleatória entre ganhos e perdas e um conjunto de variáveis que definem uma oportunidade

4) Uma oportunidade é uma maior probabilidade de acontecer um acontecimento do que outro

5) Cada momento do mercado é único  
….”

Uma boa parte das estratégias ditas alternativas tem esta abordagem e atitude no seu ADN metodológico. Como consequência, o seu padrão de resultados foge à normalidade que tipicamente domina as estratégias clássicas (pex: ações e obrigações). Podemos afirmar que do lado clássico temos média, benchmarks e um padrão que tende para a igualdade e indiferenciação. Do outro lado - do lado alternativo - temos muita dispersão, retorno absoluto, padrões desiguais e diversidade. Consequentemente, a questão do processo de investimento é muito mais relevante para uma gestão alternativa, cujo gestor sabe que tem de apostar na diferenciação, ou invés do gestor clássico que tem um benchmark como guião.    


segunda-feira, 5 de maio de 2014

Qual o objetivo do seu investimento?


A maioria dos investidores responde a esta pergunta referindo que visa o crescimento ou preservação do seu capital, ou assegurar um rendimento fixo.

A resposta é simples e clara, remetendo para as preferências de risco do investidor: um investidor mais conservador abdica do potencial de crescimento em favor do rendimento e, principalmente, da preservação; um investidor mais agressivo opta pelo crescimento e alto rendimento. Ambas as escolhas são legítimas e remetem para objetivos muito concretos num determinado horizonte temporal.

Claro e cristalino? Na prática, não. De facto, os “avanços” teóricos ao nível da teoria do portfolio enraizaram a moda do benchmark na indústria de gestão de ativos. Numa primeira fase, tratava-se de benchmarks simples; hoje em dia, são benchmarks complexos e quase herméticos.

Esta situação desvirtua a essência do processo de investimento, tornando-o mais massificado, normalizado e potencialmente autodestrutivo. De facto, a definição de um benchmark é sempre uma arbitrariedade. Mesmo admitindo que o benchmark reflete as reais preferências do investidor, medir a performance final face ao benchmark, e não face a um objetivo absoluto, é equivalente a avaliar um gestor face a um caminho traçado, ignorando se esse caminho era o melhor e, consequentemente, desligando o processo do resultado final, que, no fundo, é o que todos pretendemos obter.

Imaginemos que queremos atravessar um rio. A maioria opta por uma ponte antiga. Esse é o benchmark das massas (o caminho rápido da ponte antiga). Alguns (poucos) focam-se no objetivo final e interrogam-se sobre se a ponte antiga aguentará “tantas ovelhas”. Esses vão de barco.

Se a ponte aguentar, é evidente que os “velhos do Restelo” vão ser ridiculizados. Nos que optaram pelo caminho da ponte há alguns conscientes, mas a maioria são elementos que não gostam de assumir responsabilidades, preferindo fazer o que todos fazem, ou seja, o que dita o benchmark. Ir pela ponte, portanto. Se a ponte cair, servirá de fraco consolo referir que foi o que todos os fizeram. Contudo, é o que todos dirão. Mesmo os conscientes.
Em linguagem do mercado, se acontecer uma situação do tipo 2008 ou pior, por muito que alguém diga o contrário, a análise da performance face ao caminho traçado (o benchmark) será esmagada pela dura realidade: o caminho estava errado. Não apenas um pouco errado; não apenas ligeiramente desfasado; mas sim, totalmente, estupidamente, factualmente errado.


Em conclusão, a inclusão de benchmark serve para termos uma referência relativa, mas a sublimação e abuso dessa técnica de medição de performance é prejudicial para o investidor e gestor, pois gera desresponsabilização. Para a indústria de gestão de ativos como um todo, o benchmarking cria uma distorção e um enviesamento em larga escala, que são potencialmente autodestrutivos. Recomendação: se usar, por favor não abusar.   

terça-feira, 15 de abril de 2014

Preço, Valor e Reflexividade.


O recente manifesto sobre a reestruturação da dívida levantou um conjunto de questões quer do foro político, quer do foro económico. Será a dívida sustentável? Terá de ser inevitavelmente reestruturada? Os defensores da reestruturação focam-se no stock acumulado de dívida a na pesada fatura de juros; os detratores da reestruturação focam-se na prioridade para as boas contas e para a geração de saldos primários positivos. Uns e outros concordam que uma das variáveis essenciais para responder à questão da sustentabilidade é a taxa de juro, ou, mais propriamente, duas taxas de juro: a taxa de juro média das emissões vivas e a taxa de juro média de refinanciamento do stock de dívida. 

Reflexividade

A taxa de juro média de refinanciamento da dívida é uma variável com características especiais. Por um lado, é o reflexo das políticas orçamentais, isto é, representa o prémio por boas práticas (taxas baixas) e o castigo por más práticas (taxas altas). Por outro lado, com um stock de dívida tão elevado (acima de 100% do PIB e com tendência crescente), a taxa de juro interage fortemente com o próprio orçamento, isto é, uma taxa de juro alta não é só o castigo, mas também um fator que pode ditar a insustentabilidade matemática da dívida. Em sentido inverso, uma taxa de juro baixa é não só o prémio, mas também um fator que pode tornar a dívida sustentável.
Devido a este mecanismo de reflexividade, muito habitual nos mercados financeiros, é possível dizer hoje que a dívida portuguesa tem mais probabilidades de ser sustentável do que há três anos atrás. Uma abordagem clássica da interação entre preço e valor tiraria outro tipo de conclusões sobre as taxas de juro, do tipo: “se as taxas já estavam ridiculamente baixas face aos fundamentos, agora ainda estão ridiculamente mais baixas.” Esta abordagem clássica ignora o processo reflexivo. Peca de um erro conceptual, embora seja possível integrar a lógica de âncora do “value investing” com os “espíritos animais” da reflexividade.

Enviesamentos e Agências de rating

O mercado está organizado de uma forma que acentua certos enviesamentos. Vejamos o papel das agências de rating: estas agências atuam tipicamente após o grande movimento, acentuando-o sobremaneira. Foi assim quando a dívida pública portuguesa foi classificada de lixo e será assim se voltar a ser classificada como dívida de qualidade. As agências de rating não são observadores normais. As suas notações são linhas orientadoras ou obrigatórias no modus operandi dos fundos que compram dívida soberana. Se as agências confirmarem o que mercado já está a dizer, abre-se a porta outrora fechada, as taxas de juro descem ainda mais, e a dívida portuguesa poderá tornar-se sustentável. Pelo menos até ao próximo teste/crise. 


Conclusão

O mecanismo reflexivo não é uma espécie de varinha de condão que resolve ou destrói tudo. Ele interage com os fundamentos ou com a perceção dos fundamentos, mas quando a perceção se afasta da realidade há um teste (uma espécie de máquina da verdade). Sem boas contas e sem uma redução significativa do stock de dívida, Portugal será vulnerável ao teste da verdade. Mais cedo ou mais tarde.



Bons Investimentos! 

sexta-feira, 28 de março de 2014

STOP


Não há ordem de bolsa mais vilipendiada do que a ordem stop. 

Ponto prévio: uma ordem stop é uma ordem que é ativada quando o preço stop é atingido. O preço stop é sempre pior do que o atual: uma stop de compra é ativada acima do atual preço de mercado; já uma stop de venda é ativada abaixo do atual preço de mercado. 

Quando faço esta descrição simples surge sempre a pergunta:

- Porque devo comprar acima do preço de mercado e vender abaixo do preço de mercado?

- Ora, porque posso já ter decidido comprar ou vender e apenas estou à espera de uma confirmação do mercado para executar essa compra ou venda. Uma confirmação que passa necessariamente pela verificação de uma condição de subida para comprar ou de descida para vender – respondo eu.

Mesmo anuindo, a maioria não se rende - Porque devo esperar a confirmação, quando posso comprar agora mais baixo? – insistem.

- Porque não temos a certeza que vai subir. Se subir compramos de facto pior, mas se não subir evitamos uma compra precipitada – replico.

Já tenho mais adeptos para o lado das ordens stop, mas ainda há muita resistência…

 - Porque devo colocar uma ordem no mercado quando posso esperar visualmente e executá-la quando as condições se verificarem?

A esta pergunta não tenho uma resposta definitiva porque tudo dependerá do método e do estilo do gestor. O que sei é que num ambiente de risco, a stop representa o travão necessário para auxiliar uma boa performance.


No trading especulativo e na gestão de carteiras em geral, quem não entender a necessidade do uso de stops (efetivas ou mentais) ou, por outras palavras, quem não souber assumir perdas com naturalidade, acabará por, mais cedo ou mais tarde, sofrer graves dissabores.

O modus operandi funciona mais ou menos assim:

O trader anti-stop gosta de ter razão. Por isso, geralmente não compra após uma grande subida, preferindo refugiar-se no conforto mental de comprar em baixa e vender em alta. Ele sabe que “apanhar uma faca a cair” é perigoso e que nessas circunstâncias a colocação de uma stop é mais uma ferramenta de jogo do que de gestão do risco. Portanto, não coloca stop. Se correr mal, começam as autojustificações, as conspirações, os culpados externos. Sim, todos são culpados, menos ele – o trader anti-stop.

Se conjugarmos esta atitude com a presença da alavancagem, temos o cocktail certo para a desgraça. A verdade é que a culpa não é do mercado, nem da stop, nem da alavancagem. A culpa é dele.

A colocação de stops é quase uma arte. 
Não querendo entrar em pormenores entendo que há algumas ideias a reter e que advêm da experiência e observação:

- não colocar stops muito próximas do preço de mercado;

- procurar níveis naturais;

- ajustar as stops numa base contínua tendo em conta a evolução do mercado;

- ter em atenção os níveis de liquidez e o tamanho da ordem stop, assim como os momentos de abertura do mercado.

- justificar bem por que razão a stop é mental e não real.


Bons Investimentos!