Nota prévia: Esta história é
fictícia, embora pontilhada com notas que remetem para a realidade.
Gastão recebeu uma doação do seu
tio. Como se tratava de muito dinheiro, Gastão começou a pensar em
rentabilizá-lo. Gastão pouco sabia de investimentos, mas tinha um “plano”: O
primo de um amigo era um “especialista” e o próprio Gastão fez (dizia ele) o “trabalho
de casa”. Todos os dias lia o “jornal económico”, especialmente a secção de
rumores, previsões dos especialistas e preços alvo das empresas cotadas (com
destaque para os “price targets da Silvergirl Sachs”). Para Gastão era
suficiente. Os gráficos mostravam que o índice de NASCRASH estava no fundo
(“nos mínimos históricos”). De facto, Gastão tinha investigado e verificado que
o índice estava a cair 20% esse ano, 5% esse mês e estava nos mínimos dos
últimos 10 anos. O “especialista” repetia “comprar baixo e vender alto”. Após
esta sequência de conclusões brilhantes de parte a parte, Gastão comprou acções….
Nota: Ao
contrário do que é mitificado, comprar só porque caiu muito não é uma atitude
apenas acessível a alguns iluminados, mas representa, a maioria das vezes, apenas
e só a vontade de ter razão. De facto, comprar baixo apenas por essa razão é apenas
comprar melhor do que milhares que compraram antes. Por sua vez, comprar depois
de uma subida significativa é comprar pior do que milhares de investidores que
compraram antes, o que é claramente mais difícil de encaixar psicologicamente.
Ao longo do ano seguinte Gastão
divertiu-se imenso com os mercados. Como “investidor avisado” tomou
conhecimento de que os mercados não sobem sempre e por isso mesmo Gastão ia
vendendo títulos que já estavam nos máximos para comprar aqueles que ainda não
tinham subido. Por vezes, os títulos vendidos subiam muito mais, mas Gastão não
desesperava. “Nunca ninguém faliu a realizar mais-valias e menos valias só o
são efectivamente quando são realizadas” – pensava Gastão ao que o especialista
assentia.
No final desse ano, Gastão estava
a ganhar 50%. Por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher.
Neste caso: a Noiva. “Gastão, vamos casar. Precisamos desse dinheiro para a
casa. Vamos aproveitar a sorte”.
Gastão pensou: “Sorte!!!….Ela não
sabe do meu segredo. Isto foi mérito e muito trabalho”.
Mas como a noiva de Gastão era
muito convincente, ele anuiu. Todo o legado do tio foi investido na boda, na
casa, nas obras e ainda sobrou para uma conta rendimento para acautelar a
reforma. Contudo, Gastão estava desgostoso. Tinham-lhe tirado o brinquedo.
Passados 4 anos, Gastão encontrou
o seu primo Donald que havia recebido o mesmo legado do Tio. Donald não tinha
feito nenhum investimento de vulto e mantinha a mesma vida frugal de sempre.
Gastão viu ali a sua oportunidade. Com a sua “experiência e conhecimentos”,
Donald ganharia fortunas nos mercados financeiros.
“Vê Donald, em apenas um ano
ganhei 50%, comprei em baixa e vendi mesmo perto do topo. Agora o índice NASCRASH
está ainda mais barato do que estava quando investi inicialmente (Gastão
esquecera-se de dizer porque razão tinha vendido). ”Isto são factos Donald” -
sentenciou.
Donald nem se atreveu a sugerir
que poderia ter sido …Sorte.
A conselho de Gastão, Donald
investiu nos mínimos do índice NASCRASH. Nas semanas que se seguiram à primeira
compra, Donald via o valor de mercado do seu investimento cair brutalmente.
“Boas notícias” disse Gastão. “O mercado está mais barato do que nunca”. Não
era um eufemismo. Gastão estava convicto do que estava a dizer. E já se sabe, “o
mercado é para os convictos”.
Nota: Sem
dúvida que é preciso uma boa dose de convicção para vencer nos mercados. Muitos
confundem convicção e coerência no método, com convicção numa posição num
determinado título ou activo. Esses investidores são capazes de todas as
construções e desconstruções para provar ao mundo que têm razão em deter aquela
acção ou posição. Há um exemplo clássico: depois de uma queda, muitos gostam de
comprar só porque caiu. Rebuscadamente autojustificam-se com os fundamentos
(“esta acção está barata”). Mais tarde, se o trade correr bem, apressam-se a
vender encaixando um ganho e proclamando: “comprei perto dos mínimos e já fiz a
mais-valia”. Para trás deixam a justificação fundamental que deixou de servir.
Por sua vez, se o título continuar a cair, a justificação fundamental ancora-o
e autojustifica-o. Para além disso, ninguém o acusará de tonto por ter comprado
perto dos mínimos. No longo prazo, onde a sorte conta pouco, este tipo de
lógica só tem um único resultado possível: perder dinheiro
Donald
nem se atreveu a contestar o primo especialista quando este lhe sugeriu
reforçar a posição com um palavrão: “alavancagem”. Na verdade a única coisa que
Gastão sabia sobre alavancagem era que se tratava de uma forma de ganhar mais
dinheiro com o mesmo capital. Donald reforçou a sua posição, com alavancagem, e
esperou que o mercado desse razão ao seu querido primo…
Mas
não deu! Com o mercado a deteriorar-se cada vez mais, Donald começou a ter
pensamentos mórbidos. O seu primo era o principal personagem dos seus sonhos
que já envolviam facas e outros instrumentos de tortura.
No momento em que perdeu a vergonha e se
decidiu a “partir a loiça” enquanto restava alguma, o primo Gastão retorquiu:
“Agora, nos mínimos? És louco? Não percebes nada disto. Nem pensar…”
“Mas
o dinheiro é meu” – balbuciou Donald
Gastão
não ouviu. “Sabes, vamos fazer como os especialistas. Vamos reduzir a exposição
quando o índice NASCRASH corrigir em alta 10%.”
Donald duvidou, mas não contrariou.
Ao fim e ao cabo uma recuperação de 10% em posições alavancadas (sim, ele já
tinha descoberto o que era isso) já permitiria uma minimização dos estragos.Mas o mercado estava implacável e
não corrigiu, em vez disso “foi directo para sul”. Após mais um revés, os
primos almoçaram para fazer um ponto da situação.
“Irracional, está tudo louco” – rosnava
Gastão.
Face ao silêncio ensurdecedor de
Donald, Gastão, visivelmente humilhado com as quedas sucessivas do índice,
enfim disse:
“Isto não é mercado, eles
manipulam tudo (os tipos da Silvergirl sachs), assim não é justo…vamos sair
desta selva…já”
Nota: quando
o mercado nos derrota, é sempre mais fácil, para quem não sabe nem quer pensar
como vencer no final, deitar a culpa a outros. Por exemplo: A FED, os hedge
funds…a Goldman Sachs e demais vilões.
Donald, numa réstia de presença
de espírito, retorquiu:
“Primo,
mais tarde dizes-me quem são os “eles”, mas é bonito ouvir-te falar na primeira
pessoa do plural quando dizes “vamos”… (pausa e olhar fulminante). Deixa-me
dizer-te o seguinte: até agora segui à risca os conselhos de um egocêntrico que
não percebeu que teve sorte há uns anos e que não tratou de perceber o que se
estava a passar e onde se estava a meter. Mas sabes, querido primo, desta vez
“VAMOS” fazer de outra maneira. Parti para esta odisseia com muito dinheiro e
pouco conhecimento. Hoje tenho menos dinheiro, mas o suficiente para me manter
vivo nos mercados. Quanto ao conhecimento, de facto aprendi que o mercado é um
local fértil em oportunidades, mas não pelas razões que tu pensas ou que te
disseram os teus amigos. Um local tão incerto e complexo e onde tantos não têm
essa noção, é com certeza objecto de estudo prático. Passo a Passo é isso que
vou fazer.